quarta-feira, 21 de maio de 2014

Deputados criam frente para atacar unidades de conservação

MARIA TEREZA JORGE PÁDUA*
18/05/2014 19h35 - Atualizado em 19/05/2014 08h01

Cachoeira no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. O parque é um dos poucos no cerrado, um dos ecossistemas mais desprotegidos do país (Foto: Edimilson Sanches/ Wikimedia)

Por mais que queiramos não conseguimos entender o porquê e o para quê de uma frente parlamentar criada com a assinatura de 240 deputados do nosso legislativo e registrada dia 22 de abril deste ano para:

“Art. 2° A Frente Parlamentar é instituída para o cumprimento das seguintes finalidades:
I - acompanhar, propor e analisar proposições e programas que disciplinem todos os assuntos referentes ao reassentamento involuntário em áreas protegidas;
II - divulgar os problemas causados pela criação de áreas protegidas, notadamente, unidades de conservação e terras indígenas às populações residentes nas áreas a serem desapropriadas antes da criação da Área Protegida;
III - acompanhar as ações a serem empreendidas pelo Poder Público no sentido de proteger os direitos dessas populações;
IV - realizar encontros, simpósios, seminários, debates e outros eventos, com vistas a aventar as medidas legislativas necessárias a uma rápida resolução dos conflitos fundiários;
V - articular e integrar as iniciativas e atividades da Frente Parlamentar com as ações de governo e das entidades da sociedade civil;
VI - promover a divulgação das atividades Frente Parlamentar em Defesa das Populações Atingidas por Áreas Protegida (Unidades de Conservação e Terras Indígenas), no âmbito do Parlamento e junto à sociedade.
Art. 3° A Frente será composta por Deputados Federais e representantes de entidades da sociedade civil que subscreverem termo de adesão a este Estatuto.”

Não passa pela nossa cabeça que este fato tenha realmente ocorrido, mais parece um horrível pesadelo. O requerimento 10.028/2014 foi apresentado pelo deputado Weverton Rocha. É um enorme pesadelo para os ecólogos, cientistas, profissionais e demais técnicos, ou de ambientalistas da área. Nunca um país democrata, considerado relativamente adiantado e desenvolvido, assistiu uma excrecência destas. Mas parece que em nosso país pode tudo.
A começar pelas justificativas da proposta inicial, se é que há justificativas para deter ou extinguir unidades de conservação, ou áreas protegidas, como queira, os erros e enganos, típicos de quem não entende do assunto e da legislação em vigor, são gritantes:

1. É afiançado que o Brasil possui o maior número ( o grifo é nosso) de áreas protegidas, dentre todos. Esta verdade não existe se for bem explicitada: a) reservas indígenas ou áreas indígenas não são unidades de conservação ou áreas protegidas, como querem esses deputados; b) RPPNs são particulares.
2. Além do mais o que realmente interessa é a extensão das mesmas e, em termos relativos, o Brasil possui menos de 10 % de sua extensão territorial em unidades de conservação, ocupando um dos últimos lugares entre os países democratas e mais desenvolvidos;
3. É afiançado que se quer evitar as indesejadas e violentas remoções de populações locais. Provem em qual unidade de conservação ou área protegida este fato ocorreu no Brasil.
3. Leiam a Lei em vigor sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação ( SNUC). É a lei 9985 de 2000, que institui o sistema. Não se consideram legalmente no sistema como categorias de unidades de conservação as reservas indígenas, parques indígenas ou áreas indígenas. As populações indígenas tampouco aceitaram estar no sistema nacional. Com razão, pois essas populações têm uso direto dos recursos naturais, conforme previsto pela Constituição em suas reservas, sem as restrições impostas pelas categorias de manejo previstas no SNUC.

O Brasil já é o campeão de extinção e recategorização de áreas protegidas ou unidades de conservação. Uma recente publicação nos demonstra que nosso país perdeu 5,2 milhões de hectares de unidades de conservação nos últimos anos “igual à extensão de Costa Rica”. Isso graças à extinção ou recategorização de nossas unidades de conservação legalmente estabelecidas.

O que mais desejam os deputados de nosso país? Acabar com todos os parques nacionais? Dar as terras de nossos museus vivos em troca de votos? Não entendem que a agricultura, a pecuária, a medicina, a indústria em geral, precisam desesperadamente de nossa biodiversidade protegida em unidades de conservação, além dos serviços ambientais, em especial os recursos hídricos?

O que vão fazer a classe científica, as universidades afins, as ONGs com esta nova bomba?As últimas políticas públicas mostram claramente um enorme retrocesso da área ambiental, nunca visto em um país sem guerras. O que aconteceu para que falhássemos tanto? Não conseguimos, nós, os profissionais da área, motivar nossos compatriotas para impedir que tudo vá para o ralo. Esta nova ameaça desta frente parlamentar de inquérito do Legislativo, onde estão situados os humanos que nos representam, deverá nos empurrar mais celeremente para o ralo a que me refiro.

*Maria Tereza Jorge Pádua é Engenheira agrônoma, presidente da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e da comissão mundial de Parques Nacionais da UICN.

Fonte: http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/blog-do-planeta/noticia/2014/05/deputados-criam-frente-para-atacar-unidades-de-conservacao.html

Um comentário:

  1. A lei dos pseudo-intelectualóides que nos governa sempre é a mesma.....A DO MÍNIMO ESFORÇO". É mais fácil avançar para cima da natureza do que criar soluções inovadoras que substituam velhos hábitos que destruíram e vão acabar terminando com o pouco que temos. Quando a água na natureza está acabando... esses FDP sempre pensam igual: "VOU FAZER UMA CHACRINHA NUMA NASCENTE, OU NUMA CACHOEIRA, POIS LÁ TEM ÁGUA Á VONTADE". Idiotas. Foi a ganância de vocês que fez isso. Se querem fazer o certo, consultem um Ambientalista. Quem sabe ele traz vocês para a realidade e ensina o que fazer para salvar as pessoas, a natureza e todas as outras formas de vida, inclusive á como vocês terem a aprovação popular, pelo melhor de todos os argumentos: "A COMPETÊNCIA"

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