domingo, 23 de janeiro de 2011

Nível de contaminação de água e ar de Nova Friburgo é testado após tragédia

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Número de coliformes fecais em rio é 85 vezes maior que limite, diz teste. Ar também está cheio de fungos; mas água encanada é de boa qualidade.
Doze dias após a tragégia que deixou mais de 800 mortos na Região Serrana do Rio de Janeiro, um especialista viajou a Nova Friburgo para testar o nível de contaminação da água, da lama e do ar de um dos municípios mais devastados pelas chuvas de janeiro, e apontar quais as principais doenças a que os moradores estão expostos.
O Rio Bengalas, que corta a cidade, foi o primeiro a ser testado. “Nós estamos coletando aqui porque nós queremos saber qual o grau de contaminação deste rio. Visivelmente, ele está fora dos padrões. Toda essa cheia aconteceu aqui nesse rio, no lugar que estamos, estava completamente submerso”, diz Gandhi Giordano, engenheiro sanitarista da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
As análises, feitas num laboratório acreditado pelo Inmetro, revelam um nível alto de contaminação por coliformes fecais. “Na água do rio, nós analisamos escherichia coli que é uma bactéria que é presente no intestino de pessoas. O limite dela permitido é de 800 unidades por 100 militros, que é um copo pequeno de água, então são 800. Lá tinha 68 mil”, alerta o professor. O número encontrado é 85 vezes maior que o limite.
Amostras da água fornecida pela rede de abastecimento da cidade também passaram por testes, que comprovaram que quem recebe água da rede está bebendo e lavando alimentos em água limpa.

Níveis altos de coliformes fecais
Já as amostras de lama e poeira, que é a lama seca, não trazem boas notícias. Na lama, foram encontrados 92 mil coliformes fecais a cada 100 mililitros: 115 vezes mais coliformes fecais do que o tolerado.
No ar, foram encontradas mais de 2 mil bactérias por metro cúbico. O resultado é 13 vezes o pior já encontrado por um laboratório na cidade do Rio. O ar está também cheio de fungos, 15 vezes mais que a pior medição.
Uma pessoa respira dois metros cúbicos de ar por hora. Os moradores de Nova Friburgo, então, estão respirando cerca de 4 mil bactérias e 4 mil fungos por hora.“Me causa alergia”, reclama uma moradora. “Estou com medo de pegar alguma doença pulmorar por causa da poeira”, diz outra moradora, usando máscara.

Doenças respiratórias
Mas para Esper Kallás, infectologista da Universidade de São Paulo (USP), o uso de máscara não resolve o problema. “Ajuda muito pouco porque ela perde a eficiência muito rápido. Além do que ela só consegue proteger contra essa poeira mais grosseira porque a poeira mais fina ela passa pela máscara”, explica o infectologista.
E essa poeira contaminada com fungos pode provocar conjuntivite, rinite e sinusite. “Ela aumenta o risco de alergias respiratórias pras pessoas que tem essa sensibilidade”, alerta Esper.
A poeira também pode desencadear doenças respiratórias. “A poeira pode irritar as vias respiratórias e provocar quadros igual ao desse neném”, aponta o infectologista, mostrando um bebê que recebe tratamento contra bronquite, em um abrigo.
E quanto mais gente vivendo e dormindo no mesmo ambiente, mais facilmente um vírus ou bactéria pode se espalhar. “Essa é uma situação emergencial. E ela tem que ser o mais provisória possível, com o passar do tempo, a aglomeração, nessas condições de habitação que são muito precárias, começam a facilitar a transmissão de algumas doenças. As mais comuns são doenças de transmissão respiratória. Um exemplo delas é a gripe. E são doenças de transmissão por contato e transmitidas através de alimentos”, explica Esper.

Água contaminada
Os hospitais já congestionados na região vão recebendo gente com outras doenças. “No primeiro momento, os pacientes eram aqueles politraumatizados, vítimas de acidentes graves, muita fratura, muita lesão de bacia, lesão de membros inferiores. Agora, a gente já está tratando as complicações que são as feridas infectadas, são as diarréias, os vômitos, que são aquelas pessoas que tiveram algum tipo de contato com a água contaminada”, aponta Jamila Calil Salim Ribeiro, secretária municipal de Saúde de Nova Friburgo.
O auxiliar de produção Daniel Lopes acabou machucando o pé ao resgatar a dona de casa Ilair Souza, em São José do Vale do Rio Preto. “Na hora que eu peguei a corda para puxar, no primeiro pisão eu senti o incômodo, só que na hora da adrenalina, com o corpo quente, aquilo tudo, eu nem senti. Fui puxando a corda, fui puxando, quando ela chegou lá em cima que eu olhei o ferimento eu vi que estava sangrando muito. Eu peguei muita lama porque eu tive que atravessar toda a minha rua. Então a água tinha acabado de baixar, tava aquela lama suja, sabe. Aí o meu pé ferido pisou naquela lama, porque não tinha outro jeito”, lembra Daniel.
Ele foi tratado. Mas dois dias depois o pé estava infeccionado pelas bactérias da lama. De volta ao hospital, ficou internado.
“A gente fica esperando, aguardando desinchar pra tomar uma providência sendo que o médico falou na hora: ainda bem que vocês correram porque poderia ter uma, a infecção podia chegar até o osso”, diz Daniel.
Daniel e todos que entraram em contato com a água contaminada e tiveram cortes estão recebendo a vacina antitetânica. Tudo para evitar que um arranhãozinho vire uma infecção generalizada - que pode até levar à morte.
A embaladeira Monica Aparecida dos Santos bebeu água de poço contaminada. “Fiquei com diarréia e falta de ar por causa da alergia a essa poeira. Começou ontem depois que eu tomei água da torneira, só tomo água da torneira, não tomo água do filtro nem dessa mineral”, conta Monica à médica Cibele da Silva. “Eu recomendei usar bastante líquidos ou fazer o preparo do soro caseiro. E medidas de higiene”, orienta a médica.

Hepatite e leptospirose
Duas doenças preocupam: hepatite a e leptospirose. Por enquanto, nenhum caso foi confirmado - mas há um período de incubação. “A gente tem uma previsão aí do Ministério da Saúde que nós teremos pelo menos um ano de problema decorrentes da enchente”, acredita a secretária Jamila.
“É muito importante que a gente tenha um plano de ação já elaborado antes da tragédia acontecer. Com o exemplo de várias outras tragédias que aconteceram no mundo, inclusive no Brasil, nós conhecemos um pouco o padrão de como essas doenças infecciosas acontecem, a gente sabe a sequência que elas acontecem. Então, a presença de um estudo anterior, de um planejamento, sem dúvida nenhuma ajudaria a combater situações como essa com mais eficiência”, avalia Esper.

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